segunda-feira, 9 de abril de 2018

Sem gentileza, um livro duro e necessário

Sem gentileza é um livro duro de ler, mas necessário, e imagino que tenha sido difícil escrevê-lo. Quem o assina é Futhi Ntshingila, uma autora sul-africana, e este é seu segundo romance. Ela tem um comprometimento social com suas raízes africanas e em sua obra busca retratar um estrato da sociedade que geralmente é renegado e não ocupa o espaço central em romances, sequer aparecendo na grande maioria. 
editora dublinense

O livro conta a história de Mvelo, uma jovem de 14 anos, mas com uma aparência de uma mulher muito mais velha, tamanho é o peso que carrega nas costas apesar de tão pouca idade. Trata-se de uma jovem que cuida da mãe, que é soropositiva e tem seu benefício cortado pelo governo.

Mvelo observa de perto o definhar de sua mãe e a situação caótica que a AIDS tem causado em seu ambiente. Ela desiste de ir para a escola, pois sabe que a mãe não tem condições de pagar por seus estudos. O ambiente em que vive, além de ser muito hostil, é um lugar em que a mulher tem sua liberdade limitada devido ao machismo instaurado na sociedade, que se reflete na figura dos abusadores de garotas como Mvelo.

Zola sente imenso amor pela filha e se preocupa muito com o que será dela após sua morte, que ela sabe chegar em breve. Mvelo frequenta a igreja local, mas, justamente nesse ambiente em que deveria se sentir segura, é vítima de abuso sexual e engravida. A partir desse dia, um peso enorme toma conta de seu coração e se reflete em seu semblante. Ela não deseja o bebê, pois acredita que nada tem a  oferecer a ele.

Uma figura muito importante na vida de Mvelo é Nonceba, uma mulher linda e independente que ela conhece por meio de Sipho, com quem sua mãe se relacionou por algum tempo. Nonceba era tudo que Mvelo sonhava um dia ser, mas sua história também foi marcada por dificuldades. Seu pai era branco e sua mãe, uma jovem negra revolucionária. Embora ele fosse apaixonado por ela, não teve coragem de assumi-la perante sua família, abandonando-a em um momento de tensão racial e política, reflexo do período do apartheid.

Nonceba é uma figura muito importante porque, mesmo Mvelo nutrindo certo sentimento de rejeição por ela após ela ter namorado Sipho, é a figura que cuida dela após a partida de sua mãe, é a figura que a ensina a se reconciliar consigo mesmo habitando um mundo tão hostil para com as mulheres, um mundo sem gentileza.



Patricia Anunciada

Formada em Letras pela PUCSP, pós graduada em Língua e Literatura pela UNICAMP, atualmente estuda Literatura na UNIFESP. Atua como professora da rede municipal e desenvolve projetos voltados para a área das relações étnico-raciais. Possui um canal chamado Letras Pretas, onde indica obras e autores para trabalhar em sala de aula, com foco na Lei 10.639. Escreve para o Blogueiras Negras sobre literatura, feminismo e racismo.

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