quarta-feira, 28 de março de 2018

Eu quero ser escritora!

Um texto sobre a gana de criar com as palavras. 

Ter amor pelo livro. Ter amor pela gente.

Querida vontade, antes de se manifestar em prática, você foi pura observação. Te vi ali no meu desejo. Primeiro pelas pessoas. Segundo, pelos livros que carregavam as pessoas. Não é mentira que o exemplo cria flor na terra seca. Pois foi no amar alguém que amei os livros. Amar alguém que lê não é difícil. O amor pode morrer que a leitura continua.


O escudo é a palavra. Pena de faca é a caneta. E tem vez que o amor testa a nossa paz pelas pessoas. Por que né, como a mulher se defende do código macho de agressividade? Palavreia suas defesas. Gere argumentação. Seja brincante ou direta. Fura o alvo. Faz vazar, até que daquela boca não saiam palavras que justifiquem o mau trato de nossos corpos, mentes e futuros.


E se não tem pernas para chutar, armas para atirar, nem grana para comprar. Defenda-se com suas palavras, escritas do peito tiradas. Ah, eu quero ser escritora. 

E leitora. Aquela que lê. Decodifica, compreende os sonhos e medos de tantas outras, do antes e do agora. Do depois. E quando a mulher negra se torna leitora, ela vive os traços da mente de todos. Suga as linhas, bebe dos saberes, escala as estruturas e constrói a coisa única que é sua realidade em próprias palavras.

Lê livro. Lê jornal. Lê revista suja. Lê fanzine sincera. Lê a receita e a bula. O contrato. As palavras do amor desconfiado. As cartas nunca entregues para a própria mãe. Ela é leitora.

E quando a noite cai, minha querida vontade,  ela desperta para o lápis, para a caneta, para as teclas dos aparelhos digitais. No tempo do ônibus, nas horas do trem. Ela escreve. Firme e forte. As letrinhas nem tremem.


Ah, eu quero ser fazedora de palavras. Como Carolina e Conceição. Como a minha avó. Como a menina criança que, mesmo sabendo o real, inventa tudo de novo.

Malokêarô!














Bruna Tamires é escritora, leitora e desenhista. Faz zines e amor.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Eu confesso!


Confesso que tenho dentro de mim diversas *vozes guardadas.

Vozes que habitam o meu corpo,

Que habitam a minha alma.

Quando elas transbordam, não consigo detê-las, elas escorrem e me levam como a intensidade de um mar em um dia de ressaca.

Guardo por medo, medo de me encontrar e ver que aquela moça que um dia foi destemida, com olhos onde as estrelas habitavam, ainda continua a viver dentro de mim.


*Referência ao livro de Elisa Lucinda "Vozes Guardadas" (2016)


Por Ketty Valencio











Bibliotecária, proprietária da Livraria Africanidades, uma das pesquisadoras e criadoras do projeto "Mulheres de Palavra: retrato de mulheres do rap de SP", e uma das fundadoras do Mercado Negra.

segunda-feira, 12 de março de 2018

#Ficaadica da Iaia - Palmas e vaias

A história, a capa, os mais diversos formatos, as ilustrações, as cores (ahh as cores!)... não sei definir o que é , mas sempre fui apaixonada por livros infanto-juvenis. Não lembro de, na minha infância, me ver representada nas inúmeras histórias que li, mas, hoje, adulta e ainda encantada com a literatura infanto-juvenil, busco essa representatividade, e as autoras negras são as que melhor me representam.

Aliás, quantas autoras negras de literatura infantil você conhece? Eu conheço algumas, estou em busca de outras e será um prazer compartilhar com vocês minhas descobertas. Vem comigo!

Escolhi começar pelo livro Palmas e vaias, de Sonia Rosa, por vários motivos, mas, principalmente, porque eu era muito parecida com  Florípedes -- a heroína da história --, e se eu, na idade dela, tivesse tido acesso a livros como esse, teria sido muito mais fácil entender esse mundão e perceber que não há nada de errado com a minha cor e meu cabelo.

Florípedes é uma menina que, aos 11 anos, passa por muitas mudanças. Muda o corpo. As tranças são cortadas. De uma casa, ela se muda para um apartamento. E, em meio a tudo isso, tem também a mudança de escola. Mas Flor encara tudo isso muito bem e até animada.

Casa nova, novos amigos e uma festa junina que, na nova escola, é comemorada junto com a festa da primavera. Sua mãe prepara para ela um lindo vestido caipira. A menina, então, se empenha e se consagra campeã de vendas de votos e é premiada por isso.

Princesas e Rainhas, todas recebem seus prêmios e, enfim, é chegada a hora de Flor. Mas, quando  sobe ao palco... Ela percebe que não é igual àquelas pessoas. Pois, ela vinha de um lugar em que tradições, como festa junina, eram mantidas de forma diferente e, com isso, (do meu ponto de vista) ela nota que não pertence ao padrão daquele lugar.

Mas isso a deixou abalada? Acredito que, assim como acontece com algumas meninas, na escola ou na vida, Flor não se deixou abater e sua história escrita e ilustrada em um livro lindo está aí para mostrar a outras meninas que vaias existem e sempre vão existir, mas as palmas poderão um dia abafá-las.


Por Iara Moares



Arte-educadora, técnica em biblioteconomia e integrante do coletivo Mulheres Negras na Biblioteca.


segunda-feira, 5 de março de 2018

Eu quero é mais!

Quantos livros de autoras negras você já leu? Eu, mulher negra, confesso que só li quatro até agora. Mas foram quatro livros grandes, no sentido de grandiosos.

Li Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, que me rendeu um poema, e foi a primeira vez que recitei: ...mulher preta, favelada, reexiste, resistente. Carolina de Jesus? Presente!. Nesse dia, falei sobre Carolina, e foi como se eu conhecesse ela de longa data, cento e três anos de vida. 

Li Geni Guimarães e tive uma conexão com a construção identitária e toda crise que transborda na infância negra.

Foto: Renaud Hoyois
https://www.flickr.com/photos/russell-tribunal-on-palestine/
Li Angela Davis, leitura que me trouxe uma reflexão para além do que é estrutura. Pra mim, ela destrinchou o ser mulher, negra, lésbica e periférica -- onde estou no contexto social. Davis me ajudou a entender que mexendo na base -- onde estou -- mexe-se na estrutura inteira; como um edifício, se a base sede tudo vai a baixo.


Editora Malê
Sempre que me perguntam sobre as palavras e a escrita, eu digo que a palavra tem poder e a escrita transcende. Um bom exemplo disso é o livro Olhos de azeviche -- um presente antecipado de natal que ganhei em 2017 --, que reúne contos e crônicas de dez escritoras negras, sendo esse o quarto, e não último, dos livros dessa minha lista de iniciante. Esse valeu por muitos, porque todas essas escritas, ou melhor, "escrevivências", presentes nesse livro, têm algo em comum, que é o fato de terem me pegado pelo braço e me feito sentir cheiros, energias, sensações que me colocaram em estado de transcendência. 

Quando eu acesso a escrita de mulheres negras, sabendo que o ponto de partida em comum é gênero e raça, sei que um tanto daquilo que me é subjetivo vai se desdobrar em linhas e páginas. Sei que um tanto das minhas vivências aparecerão, a visceralidade vista a olho nu... É como se EU estivesse nua e as palavras dessas mulheres cobrissem meu corpo me protegendo do frio. Por isso eu quero mais, quero me despir e vestir essas palavras que cabem tão bem em mim. Eu quero mais é que as bibliotecas se transformem em um lugar quentinho para mulheres negras e suas escrevivências. Eu quero é mais!



Por Tainá Almeida

Preta, sapatão, soterosuburbana, Cronista do Rolé (na Bahia é rolÉ, é , é, é).

Jarid Arraes lança, em São Paulo, seu primeiro livro de contos #LoreEntreLinhas

A escritora cearense Jarid Arraes é um grande nome da literatura nacional contemporânea, principalmente conhecida por seus vários cord...